Avançar para o conteúdo principal

Mensagens

A mostrar mensagens de maio 15, 2016

Deus a foder-me desde 2011

Ninguém me/se interessa exactamente por nada. Caio de joelhos, perturbado por esta verdade inegável.  O Homem nasceu sozinho e logo nesse instante se condenou ao seu futuro perturbado. Tão estranho e definitivo como uma máquina incessante, que lhe tirará as mãos do corpo, e o corpo do seu lugar, e o lugar da sua terra, e por fim, até a sua terra sairá do mapa. O Homem ficará apenas um passageiro estranho, na espera de algum outro destino diferente desse. Em 4 de Abril de 896 morreu o Papa Formoso. Depois de morto, foi acusado de ambição excessiva, e em consequência disto, o seu cadáver foi despido e os dedos da sua mão direita decepados. A maior das desonras foi terem-no enterrado num cemitério destinado somente a estrangeiros. Sou esse anti-Papa! - Vestiram-me com insígnias. Ornaram-me após exumação, e colocaram-me num trono absurdo, só para me imputarem as acusações que a minha própria cabeça amedrontada fabricou. A minha mãe, sem grande expressão para o verbalizar

A vida é feita de escolhas...

Lá ao longe havia um tempo

Nenhuma árvore se importou com a loucura do nosso vento nenhum pássaro caiu atordoado desse céu onde jaz. Nem os montes mais distantes se abateram ou se elevaram sobre o ar onde repousa, o vazio total do meu desalento. Ou cresceram folhas ao contrário, em lugar de palavras, frias, como primaveras deixadas ao acaso, pendentes. Tudo isto aconteceu faz tanto tempo que os dias não avançaram, foram contados para trás murchados em horas de dúvidas onde a noite pousa a ruína desta história de amor e tempestade. Quis contar-te sobre as magnólias em flor, sobre a urze de teias e sobre o pico da criação. Quis escrever-te o mundo num peito só de terra. Pintar-te o mar no olhos num azul brando de acalmia. Quis pisar o verde da erva, passada já a geada da sua destruição. Contar abelhas ou joaninhas entre as flores do nosso dia. Anotar todas as inflexões da tua boca entre trinar de um pássaro e o assobio da minha dor. Nenhuma va

Mandato de despejo aos mandarins

Dias desabotoados como amarrotadas camisas, marinheiras e feias. Não faz mal nenhum ser feio até ao fundo. O pior são as noites que terminam os dias já por si acabados, ou as mornas madrugadas a forçarem só olhos tapados, como nos imensos festivais. Ou mesmo a inépcia lamacenta, onde me entrego e afundo. O pior é ser sujo e desperdiçado por todo! Algures, haverá um rio extenso a correr livre entre os sulcos mais perfurados, nalgum campo disperso, encravado entre duas belas aldeias, ou alguma praia desconhecida, só falada em sussurros pelas suas boas brisas. Nunca as descobrirei aqui metido neste lodo. Num mundo escasso de pessoas iguais, os que tudo ignoram são e serão, sempre, os mais afortunados. Adiante... Noites suadas ao som inteligente de um David Bowie falecido. É hora de pagar a luz antes que algum deus descubra a minha morte, e me cobre os impostos atrasados da não-existência. Nunca lhes quis fazer mal, mas fui fazendo-o, só por acaso,

António Ramos Rosa, in "O Grito Claro" (1958)