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A Sorte posta a Nu


Excerto de um dos contos do meu último livro: "Estórias de Amor para Desempregados

 - Se quiserem, se tiverem tempo, paciência, curiosidade, loucura sadia ou se forem simplesmente audazes por natureza, cliquem no link e descubram-no. Só se vende aqui, desculpem! Eu tento, mas não tenho estofo nenhum para o marketing, nenhum. Escrevo o que me apetece e não desisto disso. Ao menos uma parte da minha vida parece-me indestrutível. Espero que gostem. (bolas, isto soou tão desesperado!) Se não gostarem digam-me porquê. Preciso de contacto humano, sobretudo se for construtivo. Se gostarem, digam-me na mesma. Preciso também de qualquer tipo de provocação sorridente. -

(....) Começou com um grito inenarrável da Josefina. Um grito estridente de vitória que pareceu inoportuno, quase despropositado, embora totalmente justificado. E foi como se o céu rebentasse. Terá sido somente a constante falta de oportunidades que nos assolava a todos, que o fez destoar daquele silêncio pegajoso de miséria que nos cobria, ou talvez fosse o simples facto de Josefina não envergar naquela tarde, depois do roupão de feltro surrado, uma peça de roupa de baixo, expondo sem compromissos com o calor que fazia, aquele corpo macio de mulher madura, perante o aglomerar da pequena multidão de vizinhos que se reunia todas as semanas em sua casa por aquela hora. Anoitecia e, talvez por isso, notava-se uma pressa, uma febre. Os corpos caminhavam desencontrados, tentavam desviar-se uns dos outros à última hora e, com frequência, não conseguiam. Esbarravam com os cotovelos, com os ombros, com os joelhos. Seguiam à distância de se cheirarem, na pressa de lá chegarem. Em momentos insanos até poderiam achar que uma ideia sua sobre o mundo que os rodeava iria caber no mundo, mas o mundo nunca caberia nela. (...)

Miro Teixeira
Auto-Publicação
2016


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